segunda-feira, 20 de junho de 2011

À última paixão.

Arcabouço dos devaneios. Dela!
Coração bobo querendo pouco mais
Ingrato das idéias, fosco pela pulsação
Constante, como sempre oscilante
Entre o bater e o bater.

A noite e seu som francês bem embala
As dores de matar o sagrado veludo
Coração polpudo que a paixão o faz.
Ah devaneios, devaneios
Diz a mim, e bem diz
Que ingrata maltrataria?
Se paixão é fogo
E o seu pulsar é sagrado!

Por Glauber Albuquerque

Breve Memorial - As Flores Mortas do Palhaço

Sabe? Foi bem assim, uma manifestação pelas leis trabalhistas, mas na verdade? Quem ali trabalhava? Eu um boêmio sempre afim de arte e muito rock’n roll encontrava com Davi, outro perdido estranho no meio de uma multidão amorfa. Dali surgia.

Ele disse que chamaria uns amigos pra um encontro no parque com outros amigos meus, e o que ambos dizíamos? Que todos nós sejamos vivos com a poesia!

Dias depois, reunião marcada, pessoas a se conhecerem e se evaporarem rapidamente. Havia sido criado um grupo de pessoas na grama do parque a fim de criar e de levar a poesia adiante, mas foram poucos que sobreviveram àquela idéia primeira de UAI! Era a União da Arte Independente.

Fanzine pronto, mas ninguém mais sabia quem realmente queria levar adiante toda magia. E eis que surgiu junto comigo e Davi, dois mancebos fervorosos quanto a arte, eram Abrahão e Michel, surgia os amigos da poesia que num dia, numa sala, disse: Que tal As Flores Mortas do Palhaço, dizia Michel após ler um poema de Davi.

Este poema seria o que abriria o primeiro exemplar nosso. Era o primeiro fanzine das Flores Mortas do Palhaço. Eu empolgado com a beleza da poesia e dos encontros dos amigos logo criei o exemplar, coletei os poemas e fui para o computador e em pouco tempo estava prontinho, surgia “As Flores Mortas” para além do nosso ciclo de quatro seres imersos nas suas subjetividades, afim apenas de criar um meio onde a poesia tomasse vida e que nossas sensações tão primarias tomassem conta desse mundo que nos ensinou que demonstrar os sentidos mais sinceros é alvo de castigo.

Mas ali não. Todos éramos livres, um pouco de vinho e a poesia estava no ar e então toda fantasia do ser poderia estar liberta para mostrar ao próprio humano que existe sim uma forma de criar um meio dentro da metrópoles para sobreviver a própria essência sensível ao que o meio comum cria para utilização de todas nossas vivencias.

Logo mais tarde numa trágica história a família intervira a dizer que os irmãos Michel e Abrahão fora estariam, pois que suas individualidades estavam prejudicadas, já que andavam muito estranhos, eram poemas riscados na parede da casa e pinturas exarcebadas pelo quarto do outro.

Eu e Davi relutante dizíamos sim, vamos prosseguir, logo em instantes Joílson se erguia e dizia estar dentro, Beta que saia do grupo-amigo MACLE (Mov. de Arte e Cultura de Luta pelos Excluídos) vagava a surgir sempre no horizonte, e ali íamos vivendo dia após dia naquele Barris trepidante à arte. Manteríamos o grupo, que agora recitaria lá no pelourinho no bar Cantina da Lua e eis que surgia ali nossa primeira vivencia de abertura ao meio comum, no palco.

Dias após teríamos o convite de se apresentar no principal festival de rock de Salvador, sim o Garage Rock. Estávamos então lá numa apresentação lendária, de caídos ao chão pela empolgação da poesia. O poema surgia fácil, éramos Glauber, Joílson, Davi, Úpia, Leonardo, Bete, Michele, Miúcha, todos juntos como um coletivo de amizade que se diverte ao som do rock’n roll e da poesia frenética, que perdia em estética clássica para ganhar em ritmo dionisíaco.

Vários vinhos teriam essa e todas as noites de muita poesia onde sempre eu, Davi e Joílson saíamos dos barris a toda região central da cidade, bebendo e conversando a filosofia, a sociedade, a arte e sempre a política.

Beta sempre junta também dava sua grande contribuição e várias apresentações foram surgindo porque na verdade não éramos eu, ele ou ela, éramos em verdade várias pessoas em torno, querendo festejar a poesia e assim foi, e foram muitas as apresentações [Cerca de cinquenta], todas feitas com o improviso que a arte de rua sobrevivi, sendo livre para agir sempre de acordo com o momento.

Entre as marcantes apresentações lembro com vigor as que ocorreram no colégio Davi Mendes, dado ao encontro de vários integrantes, e principalmente pela primeira participação em público de Michel e Abrahão conosco, assim revivendo o iniciar do grupo, foi sem dúvida um momento precioso na nossa memória.

Tivemos também o lançamento de um livro de poesia do integrante-fundador Davi Nunes [Vesania], e uma outra apresentação que nos deu a oportunidade de viajar pra Chapada Diamantina, ficando acampado num acampamento do Movimento Sem-Terra (MST) e podendo recitar para todo aquele povo lá presente [Nesse dia Leandro da Banda ATRASO foi nossa primeira ousadia de poesia com música no fundo, tudo de puro improviso, como era de praxe: Quem quer subir no palco? Eu! Eu também vou! Eu toco então!] se bem que antes do termino do evento entramos em conflito com integrantes do PT [organização] lá presente, onde Raphael Labussiere chegou a sofrer agressões físicas.

Anos se passaram de várias apresentações e passamos um tempo com ensaios-oficinas na Casa do Palhaço [nos Barris], criando excessivamente, mas deixando o instante levar tudo, numa grande brincadeira de ter o êxtase da arte, com grandes experimentações musicais e poéticas, que nos fazia ir do jazz ao baião que virava música espanhola ou árabe, para acabar em samba, tudo sempre perpassado pela veia psicodélica que unia todos num grande transe, conseguindo assim conciliar a socialização da arte a todos, sem também ser uma baderna anti-artística.

Dessa experiência contamos com o apoio do palhaço Amoroso que deixou sua casa sempre aberta para gente e dessa época foram muitos os momentos de extrema felicidade. Dos vários dias memoráveis pode-se citar a realização do meu aniversário de vinte e três anos em 2005, quando Bete felizmente citou: “Mas as Flores Mortas do Palhaço não pode ser considerado um grupo, mas um movimento, afinal sempre fomos essa movimentação livre de gente interessada por arte...”.

Outro fato bastante marcante foi quando a casa estava para receber a ordem de despejo, afinal tratava-se de uma ocupação. Porém, ao chegar lá numa noite estranha, eu relutei contra entregar a casa, decidíamos dois dias depois iniciar nossa forma de manifestação artística, e logo depois de uma série de atos conseguimos derrubar a liminar de despejo após eu, Joílson Moreira, Marcos Pitoco, Rafael França e o próprio Amoroso decidirmos sair num dia chuvoso ao Fórum da cidade criando uma manifestação com faixas que eram poesias, e muito barulho em bumbos, estando todos fantasiados de palhaços.

Esses atos nos marcariam profundamente. Eu, Joílson e Amoroso empenharíamos firmemente para manter a casa, passando por visitas ao Fórum, a OAB e por final ao CAB [onde estava o processo]. Foram atos exemplares, por termos conseguidos mostrar que o poder de um ser em manifestação pública esta além do ato de levantar o braço e gritar um refrão de protesto.

Precisamos compreender que o potencial humano é muito maior, e nada mais expressivo do que a arte, e conseguimos em prática mostrar porque somos obcecados pela mesma arte, já que conseguimos a manutenção da casa e a invalidez da ordem de despejo após uma manifestação articulada por três sujeitos, realizada por cinco, e seguida por pessoas que passavam nas ruas e até algumas amizades de circo ou de mov. anarco-punk [Agradecemos ao espaço Insurgente que nos ajudou].

Após esses atos seguimos normalmente com encontros e apresentações que foram sempre mantendo quatro elementos fixos e interessados, era eu, Rafael, Lindomar e Jader. Acabamos fundindo um formato a ousar música e poesia por vezes cênicas. Jader e Rafael revezando-se em instrumentos de cordas, com violões, baixo ou guitarras. Lindomar recitando e eu também a recitar ou tocando flauta ou batucando com pandeiros, meia-lua, alfaia, bumbos ou qualquer outra especiaria percussiva.

Nossas apresentações agora ganhavam no belo, e diferenciavam bastante das antigas apresentações em varias questões. Todos os encontros esporádicos eram excelentes, Rafael com uma tremenda explosão musical se libertava como poucos, assim como Jader um grande tocador com seu violão e Lindomar sempre falando aleatoriamente sua poesia.

Eu buscava e busquei sempre a libertação da arte, a mesma fórmula que carrego em mim como construtor da arte desde o iniciar das Flores Mortas do Palhaço.

Mas enquanto as oficinas de “arte livre” na Casa do Palhaço iam se dissolvendo aos poucos, íamos Jader, Lindomar, eu e Rafael se reunindo para ensaiar para as apresentações: UNIJORGE, Teatro Sesi Rio Vermelho e Café Atelier JC Barreto, ali bastava. O clima já não era o mesmo, já tínhamos confundido as medidas, e poderíamos continuar como grupo, mas não como FLORES MORTAS. As medidas eram realmente diferentes, poderia passar pelo menos 2 parágrafos contando os erros e acusando-os, mas não cabe numa bela história.

Todos nós temos nossas noções e essas são complementares as nossas vivências, a nossa labuta de cada dia, não sou cristão, mas tenho pena do fardo de cada ser nesse meio social. Porém as “Flores Mortas” sempre foi esse recanto de estranhos [Basta lembrar a sede de Bete em reunir os seres mais estranhos que conhecia, chamando um por um, pra ir num encontro lá numa casa nos Barris], e quando decidi jogar tudo pra cima, eu não acabava com o grupo, eu justamente percebia tirania em deixar composto as “FLORES MORTAS DO PALHAÇO” como grupo. ELE NUNCA FOI UM GRUPO, MAS UMA COLETIVIZAÇÃO.

Com esse espírito fui para a última apresentação, foi a melhor dessa última formação, eu acredito, basta lembrar Lindomar segurando o microfone, eu logo atrás tocando o Alfaia e Kira com poema de Fernando Pessoa na mão: - Ei!! Também quero recitar... Jader e Rafael nas violas e Diana brincando com fogo e recitando ao interagir com pessoas. Naquele instante tive a certeza é a última apresentação dessas flores.

Por Glauber Albuquerque